
Era muita gente falando em abstenção de carne, principalmente por parte dos médiuns.A médium incomodava-se, sentindo-se em falta porque não dispensava um bife, não tanto pelo prazer, mas por recomendação médica. E perguntou ao Chico:
- Chico, como é que fica esse negócio da carne? Preciso comer, tenho uma deficiência...
E o médium:
- Calma, minha filha, eu também saboreio meus bifinhos...
Não raro deparamo-nos com campanhas dentro do Movimento Espírita a apregoar que a carne dificulta nossa espiritualização, situando-nos em baixos níveis vibratórios. Não seria demais lembrar com Jesus (Mateus 15:18-19), que não é o que entra pela boca que contamina o homem, mas o que sai da boca, porque procede do coração. E do coração, afirma o mestre, procedem maus pensamentos, assassínio, adultério, prostituição, furto, falso testemunho, blasfêmia.Por outro lado, atendemos à questão 723, de o Livro dos Espíritos: Com relação ao homem, a alimentação animal é contrária à lei da Natureza! Resposta: Na vossa constituição física, a carne alimenta a carne, pois, do contrário, o homem perece. A lei de conservação lhe impõe o dever de conservar as suas energias e a sua saúde, para cumprir a lei do trabalho. Ele deve alimentar-se, portanto, conforme o seu organismo.
A última afirmação do mentor espiritual define bem a questão. A carne será usada à medida que a pessoa sinta necessidade dela.Conheço pessoas que nasceram vegetarianas. Não se abstêm de carne por princípio religioso, ecológico ou regime alimentar. Simplesmente, nunca sentiram vontade de comer carne e até lhe têm aversão. Dir-se-ia que são espíritos evoluídos em trânsito pela carne no desdobramento de gloriosas missões...Negativo. São pessoas comuns que não se estacam nem por grandes virtudes, nem por patentes defeitos.Apenas seu corpo não pede esse tipo de alimento. E não se sentem em débito com proteínas, lipídeos, vitaminas, minerais e outros componentes da carne que atendem à nutrição. Valem-se, para tanto, de outros alimentos do reino vegetal, assimilando-os muito bem.
Há a questão mediúnica.Ainda aqui se impõe não a abstenção, mas a frugalidade. Oportuna a observação de André Luiz, a respeito, no livro Desobsessão, psicografia de Chico Xavier e Waldo Vieira:Aconselháveis os pratos ligeiros e as quantidades mínimas, crendo-nos dispensados de qualquer anotação em torno da impropriedade do álcool, acrescendo observar que os amigos ainda necessitados do uso do fumo e da carne, do café e dos temperos excitantes, estão convidados a lhes reduzirem o uso, durante o dia determinado para a reunião, quando não lhes seja possível a abstenção total, compreendendo-se que a posição ideal será sempre a do participante dos trabalhos que transpõe a porta do templo sem quaisquer problemas alusivos à digestão. Alegam alguns autores que o consumo da carne é proibido aos participantes de reuniões de efeitos físicos, passível de perturbar a ação dos espíritos, na manipulação do ectoplasma, que viria contaminado pelo magnetismo do defunto animal convertido em repasto. Não obstante, significativo considerar que não há nenhuma observação de Kardec sobre o assunto, algo que deveria constar principalmente em O Livro dos Médiuns, que disciplina o intercâmbio com o Além. O que pode perturbar o processo mediúnico não é o teor vibratório da carne, mas a dificuldade maior de metabolização, particularmente da carne vermelha, produzindo sono e modorra, o que elimina a atenção indispensável ao sucesso da reunião. Ainda aqui o ideal não é evitar a carne, mas reduzir drasticamente não só a sua ingestão, como a de qualquer outro alimento. Algo mais leve, de fácil trânsito digestivo, favorecendo uma participação ativa, sem acenos de Morfeu. Quanto ao mais, lembremos que Hitler era vegetariano e Chico Xavier comia seus bifinhos.
Richard Simonetti é escritor e presidente do Centro Espírita Amor e Caridade, em Bauru-SP
Fonte: Folha Espírita - jan/08.